terça-feira, 2 de junho de 2009

Tragédia?

O Brasil e o Rio Grande do Sul estão de luto pela (provável) queda do voo 447 que ia do Rio De Janeiro à Paris, nessa Segunda-Feira. Por três dias, com o aval da governadora Yeda e do presidente em exercício (José de Alencar) e tudo. Supõe-se que isso configure uma homenagem às vítimas do voo.

Pois então, eu também estou de luto. Luto pelo meu amigo Marquinhos, um dos meias-direita mais habilidosos que conheci, que teve o infortúnio de ser assaltado no entardecer do último sábado e reagir. Pena que ele só tenha notado tarde demais que a arma estava realmente carregada. As pernas do Marcos, como era chamado pela sua mãe quando fazia alguma merda, nunca mais voltarão a iludir um zagueiro: elas estão dentro de um caixão escuro, coberto de terra, em algum cemitério de Porto Alegre. Tinham apenas 17 anos.

Luto também pelo Thiago, meu quase xará e colega de ensino fundamental. Ele nunca teve muito luxo, nunca teve uma casa decente, mas sempre ostentou um sorriso enorme e - admito - até meio besta no rosto. Até mesmo nas piores situações (como quando seu pai o avisava que a comida não seria suficiente para todos e arranjavam uma desculpa pra sair de casa enquanto a mãe e a irmã se alimentavam), ele conseguia esboçar um sorriso. Mesmo que amarelo, sempre cheio de dentes. Nada podia tirar aquele sorriso dele. Nada, até o dia em que a polícia invadiu o morro em que moravam e o confundiu com um traficante conhecido naquelas bandas. Quando o mal-entendido foi finalmente esclarecido, ele já havia perdido boa parte da sua outrora imponente dentadura. E toda a auto-confiança. Hoje, alguns meses depois do ocorrido, raramente é visto por pessoas de fora da família. Não confia mais nas pessoas que deveriam protegê-lo. Não confia mais nas pessoas.

Luto pela minha tia Marta, eterna paciente (em todos os sentidos) do SUS. Luto pelas crianças (que obviamente não citarei, para evitar constrangimentos e para frustrar os sádicos corvos de plantão) usadas para saciar os desejos e bolsos de pedófilos. Luto por quem entrou na roda-viva do crack. Pelo Carlos - popular Japa - que teve uma overdose de cocaína, em 2007.

Tenho muitos motivos para estar de luto. Mas nenhum deles é o Airbus da Air France. Não me peçam a produção e exibição de lágrimas vãs e hipócritas por 228 anônimos de quem eu sequer conheço o rosto. Não num país onde, por dia, 137 pessoas são assassinadas. Não num país onde boa parte das famílias sobrevive um ano inteiro com uma quantia de dinheiro inferior ao preço da passagem de um voo para Paris, e ainda apanha e é humilhada simplesmente por não morar em uma área nobre e bonita. Isso se não havia quem estivesse lá dentro daquele avião usando dinheiro público (o que eu não duvido), passagem aérea paga pelo governo.

Que as lágrimas e o luto fiquem por conta das famílias das vítimas, como o luto nos exemplos citados acima ficou por conta de quem conheceu essas pessoas. Mas não peçam que um país inteiro dê mais importância a esse caso do que toda a violência que nos abraça diariamente só porque os envolvidos têm grana pra pagar uma viagem para Paris, de avião.


Tiago Silveira Ceccon



*(O conteúdo acima deu na telha do autor e, portanto, não representa a opinião da Radiofam, se ela tiver uma.)

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